Mônica Rodrigues da Costamito – Mônica Rodrigues da Costa http://monicarodriguesdacosta.blogfolha.uol.com.br Comentários culturais para crianças e adultos lerem juntos Mon, 18 Nov 2013 13:23:01 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Onça suçuarana é metáfora em canção "dermanchada", de 1927 http://monicarodriguesdacosta.blogfolha.uol.com.br/2012/05/07/onca-sucuarana-e-metafora-em-cancao-dermanchada-de-1927/ http://monicarodriguesdacosta.blogfolha.uol.com.br/2012/05/07/onca-sucuarana-e-metafora-em-cancao-dermanchada-de-1927/#respond Mon, 07 May 2012 12:00:20 +0000 http://monicarodriguesdacosta.blogfolha.uol.com.br/?p=1217 Continue lendo →]]>

Foto reproduzida da "Folha.com", do blog “Bichos”

Uma imagem  forte desse felino (Felis concolor) está na canção de Hekel Tavares e Luiz Peixoto, gravada por Maria Bethânia no CD “Brasileirinho”, de 2003.

A canção, criada em 1927, representa a onça em forma de um jovem sedutor que provocou abalo na protagonista da canção.

Eu ouvia “Suçuarana” no início da década de 1970, cantarolada por uma grande amiga, Anamelinha de Carvalho, que morreu de derrame aos 32 anos. Era filha do artista plástico Genaro de Carvalho (1926-1971).

Anamelinha cantava da forma como ouviu da babá quando era ninada em criança. Fiz o mesmo com meus dois filhos, na infância deles, cantarolando a incrível canção de amor e dor.

Anos mais tarde, ao ver o DVD “O Povo Brasileiro”, sobre a obra de Darcy Ribeiro, com direção de Isa Grinspum Ferraz, aprendi com o depoimento de Antonio Candido nesse filme que se tratava de um “dermanchado” sertanejo.

É gênero ou fenêmeno nativo na cultura brasileira. Os artistas populares conhecem a música e a recriam, “desmanchando-a”.    

Vale reproduzi-la como a ouvi (abaixo) e conferir as variações com a letra da música na interpretação de Bethânia e Nana Caymmi, no filme mais abaixo.

Faz três semana,

Foi na festa de Sant’Ana,

Que Zezé Suçuarana

Me chamou pra conversar.

 

Dessa bocada,

Nós saimu pela estrada,

Ninguém não dizia nada,

Fumu andano devagar.

 

A noite veio,

O caminho estava em meio,

E veio aquele arreceio,

Que arguém nos pudesse ver…

 

Eu quis dizê:

“Suçuarana, vamu embora”,

Mas, Virge Nossa Senhora,

Cadê boca pra dizê?

 

Mas, de repente,

Do mundo já bem distante,

Nós paremu um instante,

Prendemu a suspiração.

 

Envergonhado,

Ele partiu para o meu lado,

Ó Virge dos meus pecados,

Me dai a absolvição.

 

Foi coisa feita,

Foi mandinga, foi maleita,

Que nunca mais se endireita

Que nos botaru, é capaz!

 

Suçuarana,

Meu coração não se engana,

Vai fazer cinco semana,

Tu não volta nunca mais.

[There is a video that cannot be displayed in this feed. Visit the blog entry to see the video.]

 

 Onça suçuarana e a criação do mito-poema

De acordo com o blog “Bichos” da “Folha.com”, esse felino tem coloração parda, ampla distribuição nas Américas e habita todos os tipos de bioma. Com hábitos noturnos e solitários, caça ao entardecer e esse é seu momento de maior atividade. Depois, some na mata.

O que tem a ver com a canção é o comportamento. O personagem Suçuarana aparece, e a moça se apaixona quando a noite vem. Nunca mais ele volta. A relação entre os personagens da canção exemplifica como as metáforas são formadas no campo da poética.

Todos os mitos com animais são etiológicos e a cultura brasileira possui acervo imaginário fértil. A onça habita os contos de Guimarães Rosa e muitos poemas da língua portuguesa. Mas essa história fica para próximas postagens.

É pena que a suçuarana esteja ameaçada de extinção. Quando um animal é extinto, perde-se com ele a renovação linguística da espécie humana.

Segue link (para assinantes):

http://www1.folha.uol.com.br/bichos/835602-onca-sucuarana-e-eleita-animal-silvestre-simbolo-de-sp.shtml

 Sobre os criadores da canção, Hekel Tavares e Luiz Peixoto

O alagoano Hekel Tavares é pouco conhecido hoje, mas tem verbete na Wikipedia, que destaca que o compositor, embora tendo trabalhado com música erudita, foi influenciado pelos cantadores de desafios.

É provável que, pela forma como a letra foi escrita, a dupla tenha bebido na fonte dos maravilhosos “dermanchados”.

No Rio de Janeiro, feita em parceria com Luiz Peixoto (1889-1973), letrista que trabalhou com teatro, “Suçuarana” foi sucesso.

Em 2/1/2000, o jornalista Luís Nassif comentou sobre a canção brasileira e destacou “Suçuarana”. Sobre a obra de Hekel Tavares, escreveu: “O grupo central, onde brilha a estrela incomparável de Villa-Lobos, era constituído por Hekel Tavares (1896-1969), o paraense Valdemar Henrique (1905-1995), Henrique Vogeler (1888-1964), Marcelo Tupinambá (1889-1953), Jaime Ovalle (1894-1955), todos influenciados pela Semana de 22. Nas letras, sobressaíam Luiz Peixoto (o letrista brasileiro que mais me emocionava, e que vai merecer uma coluna à parte), Manuel Bandeira, Joracy Camargo e Ascenso Ferreira, entre outros”.

Segue o link (para assinantes):

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0201200008.htm

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Livro “Roça Barroca” renova repertório poético e adiciona histórias ao imaginário americano http://monicarodriguesdacosta.blogfolha.uol.com.br/2012/03/22/livro-roca-barroca-renova-repertorio-poetico-e-adiciona-historias-ao-imaginario-americano/ http://monicarodriguesdacosta.blogfolha.uol.com.br/2012/03/22/livro-roca-barroca-renova-repertorio-poetico-e-adiciona-historias-ao-imaginario-americano/#respond Thu, 22 Mar 2012 12:00:18 +0000 http://monicarodriguesdacosta.blogfolha.uol.com.br/?p=453 Continue lendo →]]>

Sobre a foto acima, consta no arquivo da Folha: “Casa da aldeia Peguaoty, situada dentro do parque Intervales; construída de madeira e palha, edificação segue a tradição guarani”/ Bruno Miranda/Folha Imagem, 2006

 

O livro “Roça Barroca”, de Josely Vianna Baptista, se divide em duas partes. Na primeira, que é bilíngue, a tradutora e pesquisadora transcria o mito guarani “Mbya” de origem do mundo.

“Mbya” é um dialeto guarani.

Na segunda parte do livro, “Moradas Nômades”, a poeta, autora de “Poros Flóridos”, mostra poemas que criou a partir da experiência entre os guaranis que visitou quando realizava estudos para compor esse “Roça Barroca”. Criou-os também inspirada na melodia da linguagem, no fluxo onomatopaico, nos truques das quebras de versos.

Na primeira, a cosmogonia guarani é uma narrativa poética, ou seja, história repleta de imagens, ou metáforas, no meio da narrativa, com passagens apresentadas apenas por justaposição.

O mito é uma narrativa que pertence ao campo da poesia, já que procura formas análogas para descrever o mundo, as relações entre bicho, gente, planta.

Esse tipo de pensamento expresso pela forma de narrar do mito é conhecido como “pensamento sensível”, oposto ao racional linear.

No caso desse mito da criação do mundo, a palavra poética expande seu potencial significante porque é o centro da origem e da religião guaranis.

Segundo a pesquisadora, o mito foi coletado por León Cadogan (1899-1973) entre os Mbyá-Guarani do Guairá, no Paraguai, nos anos 40. São os cantos míticos “Ayvu rapyta’’, que os guaranis repetem em rituais religiosos.

Os cantos são “as primeiras palavras inspiradas”, que os índios guardavam em segredo.

Para eles, o deus dos guaranis, iluminado por seu próprio coração, desdobrou-se de si mesmo abrindo-se em flor. Em outro desdobramento de si mesmo, o deus supremo criou a palavra-alma.

Para Josely Vianna Baptista, os principais conceitos da cosmologia /[cosmogonia] guarani são três.

O primeiro, “os primitivos ritos do Colibri” (“Maino i reko ypykue”), revela o momento da criação, quando tudo era o caos e só havia o pio da coruja sarapintada.

O colibri, “em adejos sobre a fronte do deus, farta de flores, respinga água em sua boca e o alimenta com frutos do paraíso”.

A explicação da autora é em si própria um poema paronomásico, rico em semelhanças sonoras, que dão ritmo à historia.

O segundo conceito origina-se do canto “A fonte da fala” (Ayvu rapyta). É o momento em que o deus “desdobra de si o fulgor do fogo e a neblina que dá vida, a fonte do amor e do som sagrado”.

A fala “aflora” do deus, tem origem divina e por isso é sagrada. Depois vêm “os homens e as mulheres que iriam refletir sua divindade”.

São eles Ñamandu de Grande Coração, Karaí, Jakaira e Tupã, “pais e mães da palavra inspirada que insuflará a alma em seus filhos futuros”.

O terceiro conceito está no canto “Yvy tenonde”, “A Primeira Terra”, que o deus cria com a ponta de seu bastão, junto com sete céus e suas escoras, que são as palmeiras azuis, e com os primeiros animais da Terra.

Então o deus sussurra aos seus o “canto sagrado”, que faz a comunicação entre o divino e o humano.

Josely Vianna Baptista realizou uma grande pesquisa, desde a etnografia, quando visitou uma comunidade guarani, até os estudos linguísticos e poéticos para a tradução.

Um dos principais informantes nessa etnografia, relata Josely Vianna, foi Teodoro Tupã Alves, liderança indígena e professor na aldeia de Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, no Paraná.

Capa do livro de Josely Baptista

 Link da editora: http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11641/Roça-barroca.aspx

Para conhecer mais sobre os guaranis, siga o link do Instituto Socioambiental (ISA):

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani

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