Sobre a foto acima, consta no arquivo da Folha: “Casa da aldeia Peguaoty, situada dentro do parque Intervales; construída de madeira e palha, edificação segue a tradição guarani”/ Bruno Miranda/Folha Imagem, 2006
O livro “Roça Barroca”, de Josely Vianna Baptista, se divide em duas partes. Na primeira, que é bilíngue, a tradutora e pesquisadora transcria o mito guarani “Mbya” de origem do mundo.
“Mbya” é um dialeto guarani.
Na segunda parte do livro, “Moradas Nômades”, a poeta, autora de “Poros Flóridos”, mostra poemas que criou a partir da experiência entre os guaranis que visitou quando realizava estudos para compor esse “Roça Barroca”. Criou-os também inspirada na melodia da linguagem, no fluxo onomatopaico, nos truques das quebras de versos.
Na primeira, a cosmogonia guarani é uma narrativa poética, ou seja, história repleta de imagens, ou metáforas, no meio da narrativa, com passagens apresentadas apenas por justaposição.
O mito é uma narrativa que pertence ao campo da poesia, já que procura formas análogas para descrever o mundo, as relações entre bicho, gente, planta.
Esse tipo de pensamento expresso pela forma de narrar do mito é conhecido como “pensamento sensível”, oposto ao racional linear.
No caso desse mito da criação do mundo, a palavra poética expande seu potencial significante porque é o centro da origem e da religião guaranis.
Segundo a pesquisadora, o mito foi coletado por León Cadogan (1899-1973) entre os Mbyá-Guarani do Guairá, no Paraguai, nos anos 40. São os cantos míticos “Ayvu rapyta’’, que os guaranis repetem em rituais religiosos.
Os cantos são “as primeiras palavras inspiradas”, que os índios guardavam em segredo.
Para eles, o deus dos guaranis, iluminado por seu próprio coração, desdobrou-se de si mesmo abrindo-se em flor. Em outro desdobramento de si mesmo, o deus supremo criou a palavra-alma.
Para Josely Vianna Baptista, os principais conceitos da cosmologia /[cosmogonia] guarani são três.
O primeiro, “os primitivos ritos do Colibri” (“Maino i reko ypykue”), revela o momento da criação, quando tudo era o caos e só havia o pio da coruja sarapintada.
O colibri, “em adejos sobre a fronte do deus, farta de flores, respinga água em sua boca e o alimenta com frutos do paraíso”.
A explicação da autora é em si própria um poema paronomásico, rico em semelhanças sonoras, que dão ritmo à historia.
O segundo conceito origina-se do canto “A fonte da fala” (Ayvu rapyta). É o momento em que o deus “desdobra de si o fulgor do fogo e a neblina que dá vida, a fonte do amor e do som sagrado”.
A fala “aflora” do deus, tem origem divina e por isso é sagrada. Depois vêm “os homens e as mulheres que iriam refletir sua divindade”.
São eles Ñamandu de Grande Coração, Karaí, Jakaira e Tupã, “pais e mães da palavra inspirada que insuflará a alma em seus filhos futuros”.
O terceiro conceito está no canto “Yvy tenonde”, “A Primeira Terra”, que o deus cria com a ponta de seu bastão, junto com sete céus e suas escoras, que são as palmeiras azuis, e com os primeiros animais da Terra.
Então o deus sussurra aos seus o “canto sagrado”, que faz a comunicação entre o divino e o humano.
Josely Vianna Baptista realizou uma grande pesquisa, desde a etnografia, quando visitou uma comunidade guarani, até os estudos linguísticos e poéticos para a tradução.
Um dos principais informantes nessa etnografia, relata Josely Vianna, foi Teodoro Tupã Alves, liderança indígena e professor na aldeia de Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, no Paraná.
Capa do livro de Josely Baptista
Link da editora: http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11641/Roça-barroca.aspx
Para conhecer mais sobre os guaranis, siga o link do Instituto Socioambiental (ISA):
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani