Mônica Rodrigues da Costa
Comentários culturais para crianças e adultos lerem juntos
Perfil Comentários e dicas culturais, literatura, teatro, HQ, circo, cinema, artes plásticas, entre outras
Perfil completoPiadas de palhaços ironizam textos bíblicos em “Mistero Buffo”, sem negar a existência de Deus
30/03/12 09:00Adultos e crianças mais velhas, de 11 e 12 anos, morrem de rir durante o espetáculo “Mistero Buffo”, da companhia de palhaços La Mínima, integrantes também do Circo Zanni, que, em geral, arma a lona uma vez por ano no Memorial da América Latina, na capital de São Paulo.
A peça usa gírias e palavrões para traduzir o texto corrosivo do dramaturgo Dario Fo, no qual é baseada, e faz piadas dos mistérios cristãos medievais, apresentados na forma satírica por trupes mambembes e comentados por jograis e bobos da corte nas praças e castelos.
Mas não há desrespeito à fé de ninguém, o tratamento é leve, no estilo das comédias do circo teatro, gênero famoso no Brasil até a década de 1960.
Para representar a história, há o músico e ator Fernando Paz e a dupla de palhaços do La Mínima. Formada por Fernando Sampaio e Domingos Montagner, o mérito do grupo é a excelência do trabalho de ator.
Os dois têm estilos diferentes. Ambos dominam a arte de transformar o que seria a crítica aos problemas sociais em piadas de palhaços.
No prólogo, Montagner explica que os mistérios religiosos tratados em cena não têm intenção de desrespeitar ou combater os dogmas abordados, mas de enfocá-los através de piadas leves, como as dos jograis históricos e as dos números de cortina, ou seja, na forma que os palhaços realizam no circo nos intervalos entre atrações de equilibrismo ou trapézio.
Fernando Sampaio provoca humor como ninguém quando executa um sistema bem particular de ações, com gestos e expressões faciais que preenchem o palco. Seus personagens ganham traços emotivos e suas falas explicam minuciosamente a situação vivida na maioria das cenas da peça, como se fosse uma tradução da ação.
Domingos Montagner usa mais a construção racional de seus papéis, desde as explicações introdutórias sobre a dramaturgia -momentos em que fala da simbologia de “Mistero Buffo”, como a atitude dos jograis que exploravam o gênero- até quando improvisa com pessoas do público convidadas a participar de cenas.
Domingos e Fernando têm agilidade física e as palhaçadas envolvem saltos, cambalhotas, quedas e encontrões bem divertidos.
Outro dos vários pontos altos do espetáculo é a encenação bufa -de palhaço-, ou profana, do milagre de Cristo de fazer um cego voltar a enxergar e um paralítico recuperar os movimentos.
Os dois personagens portadores de deficiência se aliam para superar as limitações de visão e de movimento e se preocupam quando ouvem falar de um tal Jesus, que lhes daria a cura.
Como continuar então a pedir esmolas pelo mundo? Para que retornar ao trabalho se esmolar os situa na zona de conforto?
“Não quero ser ajudado, não podemos sofrer a desgraça de sermos curados”, diz Sampaio no papel do paralítico.
Na ponta oposta, Montagner é irônico ao representar o cego e toma distância crítica até do próprio personagem: “Vai trabalhar, vagabundo… vamos pra Brasília…”, diz, e debocha da corrupção e do trânsito.
O livreto do atual espetáculo informa que se trata da moralidade “O Cego e o Estropiado”, do século 14, registrada pelo jogral Jean Lavy.
A inversão dos desejos deles em relação ao relato do texto sagrado é a mola da comicidade, o trocadilho-chave, mas as referências ao presente histórico também são catárticas.
Os personagens negam o milagre, embora clamem por São Cristóvão. Essa é a lógica de “Mistero Buffo”, peça adaptada do drama político de título homônimo, do italiano Dario Fo, de 1969, que sofreu alterações em seus monólogos devido aos improvisos nas apresentações realizadas.
Após cada cena, Domingos Montagner faz pausas no espetáculo e explica o próximo episódio. Os atores usam a linguagem do teatro para tomar distância da encenação, comentando-a, em bom recurso de direção.
A peça apresenta quatro mistérios: “A Ressurreição de Lázaro”, “O Cego e o Paralítico”, “O Louco e a Morte” e “O Louco aos Pés da Cruz”.
Ao lado do engraçadíssimo músico Fernando Paz, que realiza ao vivo a trilha sonora, os palhaços do La Mínima se trombam, tropeçam em trapalhadas e atrapalhações e ainda fazem cenas com mímica.
O espetáculo tem direção de Neyde Veneziano, que soube ajustar a linguagem do circo ao modo de atuação híbrido, típico dos artistas contemporâneos.
Veneziano dirigiu “Arlecchino” (1988), também de Dario Fo, entre outras peças desse ganhador do Prêmio Nobel de Literatura (de 1997), e tem um livro sobre o dramaturgo, “A Cena de Dario Fo: O Exercício da Imaginação” (Nobel).
Em cartaz no teatro do Sesi: http://www.sesisp.org.br/cultura/teatro/mistero-buffo.html
Ficha técnica
Direção: Neyde Veneziano. Elenco: Domingos Montagner, Fernando Sampaio e Fernando Paz. Tradução: Neyde Veneziano e André Carrico. Direção mímica: Álvaro Assad. Direção musical: Marcelo Pellegrini. Cenografia: Domingos Montagner. Figurino: Inês Sacay. Adereços: Maria Cecília Meyer. Iluminação: Wagner Freire. Produção visual: Sato. Assistência de direção: Ioneis Lima. Administração: Luciana Lima. Concepção: La Mínima. Produção executiva: Fabiana Esposito.
“Pedro e o Lobo” com música ao vivo, narração da atriz Giulia Gam e teatro de bonecos
29/03/12 09:00Nunca é demais ouvir “Pedro e o Lobo”, de Sergei Prokofiev, composição dos anos de 1930 que cria a narrativa melódica e rítmica de uma aventura no tempo em que havia grandes florestas na Europa e lobos ameaçadores.
A música ao vivo faz diferença nesta montagem regida pelo maestro Carlos Moreno e com narração precisa de Giulia Gam.
No enredo, o avô de Pedro se zanga com o neto porque ele sai para brincar na floresta e deixa o portão aberto.
Os bichos que fugiram pelo jardim adoraram a travessura de Pedro, mas não imaginavam que uma criatura feroz aparecesse.
A atriz Giulia Gam conta essa história com calma e o espectador percebe isso em seu semblante, em harmonia com a voz pausada, sem altos e baixos, sem a prosódia que têm em geral as frases que sugerem medo e assustam (interjeições por vezes forçam o falante a emitir sons em falsete ou elevar a altura da voz).
A narração da atriz acompanha a orquestra nesse ritmo controlado de fala.
Como a peça é didática, a primeira parte é a apresentação dos instrumentos que representam os personagens.
Depois que toda a narrativa é explicada, a plateia ouve a execução inteira de “Pedro e o Lobo” pela orquestra, curtinha.
O passarinho desenhado pela flauta saltita, o ritmo do oboé que imita o pato é lento e arrastado como seu andar.
Há momentos acelerados e vários instrumentos soam ao mesmo tempo, passagens emocionantes, representam a caçada ao lobo, por exemplo. Outros leves, mas tensos, como o caminhar furtivo dos caçadores.
O teatro ou encenação dos bonecos multiplica a conversa entre a imagem sonora e a narração.
A orquestra Almeida Prado, de “Pedro e o Lobo”, tem 23 músicos e foi montada para o espetáculo. Durante a apresentação, o maestro elogia o músico Almeida Prado.
A direção geral de “Pedro e o Lobo” é de Muriel Matalon.
Os bonecos são grandes e podem ser vistos de longe com facilidade, pois o Teatro Tuca, onde a peça está em cartaz, necessita desse recurso porque é grande também.
Link: http://www.teatrotuca.com.br/espetaculos/espetaculo_pedro_e_o_lobo.html
Ficha técnica
Direção geral: Muriel Matalon. Assistência de direção: Marco Lima. Narração: Giulia Gam. Orquestra Almeida Prado sob regência do maestro Carlos Moreno. Criação dos bonecos: Marco Lima. Iluminação: Wagner Freire. Cenografia: Alfredo Barbosa. Adaptação de texto: Mariana Veríssimo. Confecção de bonecos: Marco Lima, Nonon Creaturas, Inês Sakai. Cenário: Alfredo Barbosa. Diretor de cena: Domingos Varela. Construção de cenários: Ono Zone Estúdio Ltda, Fernando Brettas e Diw Rosseti. Diretor de orquestra: Tarik Dib. Direção de montagem de aéreos: Cia de Estripulias Imagináveis.
Orquestra Almeida Prado
Spalla: Constança Almeida Prado Moreno. Violinos: Adriana Maresca, Danilo Ferreira, Henrique Franquim, Simplício Soares, Tiago Paganini, Ugo Kageyama. Violas: Eduardo Cordeiro Jr., Sarah Nascimento. Cellos: Julio Cerezo Ortiz, Sueldo Francisco. Contrabaixo: Rubens De Donno. Flauta: Mônica Camargo. Clarinete: João Francisco Correia. Oboé: Gizele Sales. Fagote: Ronaldo Pacheco. Trompas: Mario Rocha, Thiago Rodrigues, Vagner Rebouças. Trompete: Leonardo Porcino. Trombone: Silas Falcão. Percussão: Glaucia Vidal, Marcelo Camargo.
Marionetes do Giramundo transpõem a música “Pedro e o Lobo” para o teatro de bonecos
28/03/12 09:00
Aproveito que assisti a duas adaptações de “Pedro e o Lobo”, de Sergei Prokofiev, na capital paulista, para relembrar esse adorável espetáculo na versão de teatro de bonecos pelo grupo Giramundo, que vi em 2009, no Festival Internacional de Bonecos de Canela, no Rio Grande do Sul.
“Pedro e o Lobo” mantêm-se no repertório da companhia mineira desde 1993 e é possível ver trechos da montagem no site do grupo.
Link: http://www.giramundo.org/teatro/pedro.htm
Bonecos manipulados por fios, as marionetes dessa adaptação de Prokofiev, cuja composição original é de 1936, imitavam com perfeição os movimentos dos personagens no ritmo e andamento da música.
Os atores se revezavam na manipulação e narração da história, com ajuda de desenhos em uma lousa.
O assunto dos diálogos versa sobre os instrumentos da orquestra e apresenta os sons que cada um deles faz.
Atrai no espetáculo uma tríplice repetição: os narradores contam a história do garoto Pedro e de seu avô, que enfrentam um lobo. Os bonecos representam o enredo com imagens em movimento. A música cria imagens sonoras para os personagens.
A atriz e diretora Beatriz Apocalypse manipulou os bonecos ao lado de outros atores-manipuladores, com trilha gravada. Eram engraçados os comentários dos narradores, que faziam papéis de cômicos.
Ficha Técnica de “Pedro e o Lobo” do Giramundo que consta no site do grupo
Concepção original da adaptação e marionetes: Álvaro Apocalypse. Direção de remontagem: Beatriz Apocalypse. Atores marionetistas: Ana Fagundes, Beatriz Apocalypse, Raimundo Bento, Rooney Tuareg e Ulisses Tavares. Construtores: Beatriz Apocalypse, Cor-Jesus Costa, Gustavo Noronha, Marcos Malafaia e Ulisses Tavares. Pintura original: Terezinha Veloso. Restauração das marionetes: Ana Fagundes, Raimundo Bento e Sandra Bianchi. Figurino dos marionetistas: Raimundo Bento. Cenotécnica: Ricardo da Mata. Adaptação e construção do cenário: Thiago Guimarães.
“Pedro e o Lobo” lota teatro Anchieta e diverte plateia infantil
27/03/12 09:00A história clássica do menino Pedro, que brinca no quintal ao lado de uma floresta onde há lobos ameaçadores, nunca deixa de ser adaptada pelos mais diversos grupos de teatro e música do país.
A música de Sergei Prokofiev (1891-1953) já teve narração de Roberto Carlos, Rita Lee e David Bowie, entre outros.
Desde 2004 a peça “Pedro e o Lobo” é apresentada pela companhia paulista Imago, com teatro de animação de objetos sob luz negra e narração do maestro Jamil Maluf, da Orquestra Experimental de Repertório.
Fernando Anhê, diretor, bonequeiro, cenógrafo e figurinista do espetáculo, também assina os quadrinhos de “Pow!” deste blog.
Anhê disse que seria ideal que a peça fosse apresentada com música ao vivo, executada por uma orquestra, como ocorreu em 2009, quando foi encenada no teatro Bradesco, sob a regência de Jamil Maluf e narração de Fernando Paz.
No mesmo ano, esteve no teatro São Pedro, com orquestra regida por Alex Klein e narração do ator Chachá.
“A dificuldade financeira é o grande empecilho de apresentar a peça com música ao vivo”, explicou Fernando Anhê.
A música gravada não impede a diversão das crianças nem a decodificação dos instrumentos musicais que representam os personagens nessa fábula de final feliz do compositor russo.
Nela, um pássaro-flauta, uma pata-oboé, um gato-clarineta, um menino-violinos contracenam ao enfrentar um lobo-trompas, que Pedro acaba por capturar.
No cenário luminoso, colorido e bem cuidado, Pedro brinca na floresta com seus amigos até que o avô chega, muito bravo. O neto tinha esquecido o portão do quintal aberto, a pata fugiu, e o que aconteceu?
O danado do lobo a engoliu sem mastigar. Ainda bem que existem caçadores, que vêm consertar essa situação antes que ela se transforme em tragédia.
A peça está em cartaz no teatro Anchieta (Sesc Consolação): http://www.sescsp.org.br/sesc/
Depois fará temporada no teatro Amil, em Campinas (SP): http://www.conteudoteatral.com.br/teatroamil/
Link para a narração de David Bowie: http://www.youtube.com/watch?v=kpoizq-jjxs
Endereço da Imago: http://www.ciaimago.com.br
Palavras sobre as poéticas de Arnaldo Antunes
26/03/12 07:55O artista multimídia -está mais na moda o termo “transmídia”- Arnaldo Antunes, do palco, do rock, da MPB e da literatura, com CDs, livros, vídeos e filmes, DVDs, cartazes e instalações, explora os suportes que veiculam palavra, som, voz, imagens, grafismos. Manipula códigos e linguagens. Realiza poéticas que se estendem de uma mídia para outra e subverte sentidos.
Dialoga com as linguagens de ruptura das vanguardas históricas -final do século 19 até anos de 1950- e retoma o fio de Ariadne da literatura em seu curso no tempo.
Falar o canto e cantar o verso
Desde o livro “Psia” (Expressão, 1986), apresenta esse modo de narrativas múltiplas. Ícones pops e palavras de ordem se desautomatizam, o poeta devolve os signos urbanos a quem passa na rua ou vai ao cinema.
“n.d.a.”, título de seu livro mais recente, é anagrama ou espelho de “DNA” e “nada” e experimentação ao estilo de Duchamp.
Antunes fez certos poemas da forma como as trepadeiras ocupam as paredes do jardim.
“n.d.a” (Iluminuras, 2010) parece explorar em vários poemas o procedimento probabilístico de Marcel Duchamp. Mistura linguagens ao produzir poemas gráficos, como os da série de mãos pré-fabricadas, um trocadilho com “hand-made”. A mão-coisa que se faz e desfaz faz parte do homem-coisa e do nome das coisas, objeto de sua arte.
Nos poemas fotográficos, “ready-mades”, achados poéticos falam “das coisas como são”.
Tradição
Sua linguagem dialoga com a tradição e com a vanguarda, da poesia concreta, do tropicalismo, da pop art. Relaciona-se com Cummings, Joyce, Cabral, Drummond.
A obra de Arnaldo Antunes está composta por uma linguagem que representa o Homo semioticus no dizer do poeta Décio Pignatari. Isso quer dizer que o ser humano é sua própria representação em signos, em linguagens das mídias impressa, televisiva e da web, com as quais se lida na trilha sonora do cotidiano, no ofício diário dos escritórios e nos cruzamentos das ruas.
Ao mesmo tempo, intimidade com o sentido. Além da forma plástica, o poeta reformula as próprias “fôrmas” com que modula signos gráficos. É o caso de “ABC”.
Link: http://www.youtube.com/watch?v=B9kUUsqEawY&feature=related
A poesia de Antunes é pós-industrial, pós-natureza, uma ironia à era da manipulação do DNA.
Para o filósofo Slavoj Zizek, a ameaça biogenética é uma versão nova e muito mais radical do fim da história que mina os próprios fundamentos da democracia liberal, os avanços científicos e tornam obsoleto o sujeito liberal-democrata livre e autônomo.
Arnaldo Antunes toca neste ponto com suas poéticas.
Quando põe em cheque a expressão “DNA” e sua relação com a palavra nada, a poesia de Arnaldo Antunes contrapõe-se ao autômato que Zizek afirma que é no que o homem está prestes a se transformar.
Como poesia é mistério, há a chance de resultar em “nenhuma das [respostas] anteriores”.
Link da Iluminuras: http://www.iluminuras.com.br/v1/
História de Fernando Anhê
25/03/12 09:00História de Fernando Anhê
24/03/12 09:00Ainda sobre o livro “Roça Barroca”
23/03/12 09:00O deciframento crítico de linguagens e procedimentos não tem o objetivo de ser a palavra final sobre uma obra, mas o de contribuir para a construção de seu sentido.
Os poemas de Josely Vianna Baptista no livro “Roça Barroca” (CosaNaify, 2011) preservam muitas características do estilo de sua poesia anterior: jorro e multiplicidade de imagens; pendor para o surrealismo e para a exploração do tempo do mito; economia no uso da pontuação gramatical; exploração linguística e plástica da palavra, como no poema “ar”.
No plano semântico, a poeta faz com que o signo tome distância de seu objeto, ou seja, constrói versos ambíguos e difíceis muitas vezes de entender, ultrapassando a ambiguidade essencial da poesia e chegando ao questionamento do significado.
Como na segunda estrofe do poema “reductio”:
“então reviu em sonho
o berço de menino, o regaço
materno, o abraço proibido
e sua vã memória
converteu-se em
dilúvio”.
Quem é o personagem? Nos poemas anteriores a esse, no livro, percebe-se que é a terceira pessoa do singular masculina e o assunto é o périplo apaixonado, mesmo que seja “o roteiro do error/ (do latim errore):/ viagem sem rumo/ e sem fim…”.
Mais narrativos que em livros anteriores de Josely Vianna Baptista, os poemas de “Roça Barroca” tratam de personagens históricos, como Antônio de Gouveia, que dá título a um deles, e a Cia. de Jesus, e situam-se entre a poética da etimologia e a procura de entendimento sobre “a terra do Brasil”.
Em certos momentos, são líricos, prolongam, como típico nesse gênero, o instante emotivo, como no caso de “da saudade”, que “vem brotar/(soledad)/da própria/rocha”.
A poeta conta como portugueses se misturaram com os nativos brasileiros e representa sincreticamente essa relação no bilinguismo de “Roça Barroca”, como no poema “Pablo Vera”.
Outras obras da autora
Sem a finalidade de listar todos os livros da autora, destaco as obras “Ar” (Iluminuras, 1991). “Corpografia”, em colaboração com Francisco Faria (Iluminuras, 1992). “Os Poros Flóridos” (1995; foi incluído em 2007 em “Sol sobre Nuvens”, Perspectiva), entre outros.
A poeta integrou a antologia “Desencontrários Unencontraries – 6 Poetas Brasileiros” –Nelson Ascher , Régis Bonvicino, Haroldo de Campos, Duda Machado, Josely Vianna Baptista, Paulo Leminski, com traduções para o inglês de Regina Alfarano [ et al.] (Curitiba: Associação cultural Avelino Vieira/Bamerindus, 1995).
Participou da coletânea de poemas “Sol”, edição artesanal por Guilherme Mansur, de “volantes”, como informa Régis Bonvicino em “O Gesto Poético de um Artesão”. Folha de S. Paulo, “Mais!”, 17 de abril de 1994.
São muitas as traduções de Josely, de poetas e prosadores, mas fica para outra vez.
Links para livros da autora: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?isbn=8527307758&sid=62497119613614724683827167
http://www.iluminuras.com.br/v1/verdetalheslivros.asp?cod=96
Livro “Roça Barroca” renova repertório poético e adiciona histórias ao imaginário americano
22/03/12 09:00Sobre a foto acima, consta no arquivo da Folha: “Casa da aldeia Peguaoty, situada dentro do parque Intervales; construída de madeira e palha, edificação segue a tradição guarani”/ Bruno Miranda/Folha Imagem, 2006
O livro “Roça Barroca”, de Josely Vianna Baptista, se divide em duas partes. Na primeira, que é bilíngue, a tradutora e pesquisadora transcria o mito guarani “Mbya” de origem do mundo.
“Mbya” é um dialeto guarani.
Na segunda parte do livro, “Moradas Nômades”, a poeta, autora de “Poros Flóridos”, mostra poemas que criou a partir da experiência entre os guaranis que visitou quando realizava estudos para compor esse “Roça Barroca”. Criou-os também inspirada na melodia da linguagem, no fluxo onomatopaico, nos truques das quebras de versos.
Na primeira, a cosmogonia guarani é uma narrativa poética, ou seja, história repleta de imagens, ou metáforas, no meio da narrativa, com passagens apresentadas apenas por justaposição.
O mito é uma narrativa que pertence ao campo da poesia, já que procura formas análogas para descrever o mundo, as relações entre bicho, gente, planta.
Esse tipo de pensamento expresso pela forma de narrar do mito é conhecido como “pensamento sensível”, oposto ao racional linear.
No caso desse mito da criação do mundo, a palavra poética expande seu potencial significante porque é o centro da origem e da religião guaranis.
Segundo a pesquisadora, o mito foi coletado por León Cadogan (1899-1973) entre os Mbyá-Guarani do Guairá, no Paraguai, nos anos 40. São os cantos míticos “Ayvu rapyta’’, que os guaranis repetem em rituais religiosos.
Os cantos são “as primeiras palavras inspiradas”, que os índios guardavam em segredo.
Para eles, o deus dos guaranis, iluminado por seu próprio coração, desdobrou-se de si mesmo abrindo-se em flor. Em outro desdobramento de si mesmo, o deus supremo criou a palavra-alma.
Para Josely Vianna Baptista, os principais conceitos da cosmologia /[cosmogonia] guarani são três.
O primeiro, “os primitivos ritos do Colibri” (“Maino i reko ypykue”), revela o momento da criação, quando tudo era o caos e só havia o pio da coruja sarapintada.
O colibri, “em adejos sobre a fronte do deus, farta de flores, respinga água em sua boca e o alimenta com frutos do paraíso”.
A explicação da autora é em si própria um poema paronomásico, rico em semelhanças sonoras, que dão ritmo à historia.
O segundo conceito origina-se do canto “A fonte da fala” (Ayvu rapyta). É o momento em que o deus “desdobra de si o fulgor do fogo e a neblina que dá vida, a fonte do amor e do som sagrado”.
A fala “aflora” do deus, tem origem divina e por isso é sagrada. Depois vêm “os homens e as mulheres que iriam refletir sua divindade”.
São eles Ñamandu de Grande Coração, Karaí, Jakaira e Tupã, “pais e mães da palavra inspirada que insuflará a alma em seus filhos futuros”.
O terceiro conceito está no canto “Yvy tenonde”, “A Primeira Terra”, que o deus cria com a ponta de seu bastão, junto com sete céus e suas escoras, que são as palmeiras azuis, e com os primeiros animais da Terra.
Então o deus sussurra aos seus o “canto sagrado”, que faz a comunicação entre o divino e o humano.
Josely Vianna Baptista realizou uma grande pesquisa, desde a etnografia, quando visitou uma comunidade guarani, até os estudos linguísticos e poéticos para a tradução.
Um dos principais informantes nessa etnografia, relata Josely Vianna, foi Teodoro Tupã Alves, liderança indígena e professor na aldeia de Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, no Paraná.
Link da editora: http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11641/Roça-barroca.aspx
Para conhecer mais sobre os guaranis, siga o link do Instituto Socioambiental (ISA):